Mergulho para a morte é tabu do 11 de Setembro


Imagens das centenas de pessoas forçadas a saltar do inferno do WTC não são populares nos EUA; foto ícone 'The Falling Man' é tema de documentário e artigo

Carolina Cimenti, de Nova York, especial para o iG

Calor desesperador, falta de ar, pânico e nenhuma rota de fuga. O mergulho para a morte através da janela de um dos prédios mais altos do mundo. Uma queda de 1, 2, 3... 8 segundos. Cem andares mais tarde, o fim abrupto. O tempo que o leitor levou para ler essas frases é mais ou menos o quanto durou a queda das estimadas dezenas ou centenas que se jogaram das Torres Gêmeas no 11 de Setembro.
Foto: APAmpliar
Falling Man, de Richard Drew, uma das fotos que se tornaram ícone dos ataques do 11 de Setembro
Uma espécie de suicídio coletivo desesperado que foi classificado pelo governo americano como assassinato. “Ninguém se matou, foram todos vítimas dos atentados”, segundo o relatório oficial do governo americano sobre os ataques. Esses mortos são chamados nos EUA de "jumpers" (saltadores), e se transformaram rapidamente em um tabu do 11 de Setembro.
Calcula-se que entre 50 e 200 tenham se sentido compelidos a se jogar ou caído dos andares mais altos do World Trade Center (WTC) naquela terça-feira, segundo os jornais The New York Times e USA Today, respectivamente.
O primeiro, mais conservador, contabilizou somente as quedas testemunhadas por seus próprios repórteres. O segundo fez uma pesquisa envolvendo testemunhas, vídeos e fotos. Ambas estimativas são altas, mas, se o USA Today estiver certo, pelo menos 8% dos 2.753 mortos do 11 de Setembro em Nova York morreram ao pular dos mais altos dos 110 andares de cada um dos prédios, principalmente da Torre Norte, a primeira a ser atingida. (Veja infográfico com cronologia do 11 de Setembro)
Foto: DivulgaçãoAmpliar
O diretor americano Henry Singer, autor do documentário The Falling Man
O diretor americano Henry Singer passou um ano filmando um documentário com o objetivo de descobrir a identidade de um homem retratado na fotografia "The Falling Man" ("O Homem em Queda", em tradução livre), de Richard Drew, da Associated Press. A foto, que registra a queda exatamente às 09:41:15 daquele dia, tornou-se um dos ícones dos ataques.
“Essas imagens são muito difíceis de olhar, mas é fundamental não virar a cara. Seria muito fácil não olhar para as atrocidades que acontecem no mundo, viver uma vida segura de classe média. Mas é absolutamente fundamental ver as coisas como são. Aqueles que pularam do WTC foram varridos para debaixo do tapete nos EUA, e é por isso que temos de falar sobre isso, olhar essas imagens e encará-las de frente”, disse ao iGSinger, que lançou seu documentário com o mesmo nome da foto em 2006.

O 11 de Setembro foi um dos dias mais fotografados e filmados da história. No documentário "9/11", dos cineastas francesesJules e Gedeon Naudet, é possível ouvir vários estrondos por minuto: são os impactos dos corpos no chão. Uma extensa área que poderia servir como zona de retirada teve de ser isolada por causa da enorme quantidade de corpos despencando. Um deles atingiu o bombeiro Danny Suhr, que morreu na hora.
Apesar de serem muitos, depois do 11 de Setembro ninguém queria ver as imagens das quedas. Elas foram rapidamente subutilizadas pelos meios de comunicações e pelo público em geral. É como se a maioria preferisse lembrar dos ataques pelas imagens da colisão dos aviões, do subsequente colapso das torres ou da bravura eheroísmo das equipes de socorro. O número de fotos de faces espremidas nas janelas no topo dos prédios ou de corpos mergulhando para a morte diminuiu gradualmente na televisão e nos jornais nos dias posteriores aos ataques.
Singer conta que, ao ver centenas de horas de filmagem para seu documentário, descobriu que muitos não chegaram a tomar a decisão de pular. “É possível ver com clareza que alguns foram empurrados por outros em busca de ar, enquanto outros caíram ao tentar sair para o lado de fora do edifício, provavelmente para respirar. O que fica claro é que em alguns andares era simplesmente impossível suportar o incêndio. E ver isso não é nada fácil”, disse. 
Segundo os cálculos dos jornais americanos, pelo menos 1 mil se encontravam acima dos andares diretamente atingidos pelos aviões. Neles, acredita-se que a temperatura tenha chegado a 1.000º C ou o suficiente para literalmente derreter os aviões em alumínio líquido, conforme o livro “102 Minutos - A História Inédita da Luta Pela Vida nas Torres Gêmeas”, dos jornalistas Jim Dwyer e Kevin Flynn.
A fumaça que saía dos prédios era extremamente densa, e as mensagens recebidas de sobreviventes após os impactos revelam um cenário desesperador.
Apesar de os atentados terem deixado quase 3 mil mortos (incluindo o ataque ao Pentágono, em Washington, e a queda na Pensilvânia de um avião sequestrado), a maior parte deles estava dentro do avião ou dos alvos atingidos quando morreram. Aqueles em queda das torres tiveram um morte totalmente pública.
“O que mais choca nas imagens é o fato de nos colocarmos naquela posição. Muitos de nós já estivemos em prédios altos e sabemos que não pode ser uma decisão fácil. Por outro lado, é impossível ver aquelas imagens e não se perguntar: o que teria feito? Que tipo de calor e falta de ar infernal havia lá dentro para tantos decidirem morrer?”, indagou Singer.
Apesar de ele parecer sereno enquanto cai, é um momento dele, é um momento privado, são os últimos segundos de sua vida sendo expostos para o mundo
Além da foto, o documentário também tem como base um artigo homônimo escrito por Tom Junod para a revista Esquire. O texto e o documentário tentam desvendar a identidade do homem da foto. Depois de meses de pesquisa e entrevistas, Junod descobriu que a vítima poderia ser Jonathan Briley, um engenheiro de som que trabalhava no restaurante Windows on the World, no topo da Torre Norte.
“É uma foto difícil de olhar porque é uma imagem bonita de uma ação horrível. E, apesar de ele parecer sereno enquanto cai, é um momento dele, é um momento privado, são os últimos segundos de sua vida sendo expostos para o mundo. Por outro lado, é importante vê-la para não esquecer o que aquele dia representou”, diz Junod no documentário.
Assista a um trecho do documentário The Falling Man:

Depois de vários meses tentando, Singer conseguiu convencer a irmã de Briley a dar seu testemunho. Para Guendalyn Briley, os jumpers e a imagem que supostamente é de seu irmão são uma possibilidade para entender melhor a si mesma: “Nunca pensei no Falling Man como se fosse o Jonathan; sempre penso nele como um homem que por um segundo tomou posse de sua vida nas mãos. É possível que aquela pessoa tivesse tanta fé que pensava que Deus o teria salvado? Ou ele estava com tanto medo de vivenciar sua sua morte lá no alto? É algo que nunca saberei porque aconteceu com ele. E espero que, com essa foto, não tentemos descobrir quem é ele, mas sim quem somos nós.”
Fonte: Último Segundo

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